Estava passando álcool em gel, quando olhei para fora do carro e vi uma pessoa fazendo o exato movimento que eu fazia e comentei com o motorista como isso era curioso e ele solta: “Ah! É o tal do novo normal”.
Bom, eu que não perco oportunidade de dar minha opinião, comecei a dizer que esse termo me incomodava. Ele disse que para ele também, mas não sabia o porquê. Ficamos discutindo que palavra seria mais adequada. Chegamos a uma conclusão que “novos hábitos” seria mais adequado.
Hábito nada mais é que um caminho neural. Uma vez que abre essa trilha na selva cerebral, conseguimos repetir aquela ação com mais facilidade nas vezes seguintes. Mas ele também consegue deixar o mato crescer nesse caminho, se um outro for estimulado. Tem também a possibilidade de fazer um híbrido do novo com o velho. Isso tudo é a tal da neuroplasticidade.
Para mim é isso, usar máscara, higienizar tudo e todas outras ações que estamos colocando no nosso dia a dia são hábitos. E que podemos desaprender também.
Outro dia ouvi falar de umas mulheres que viveram a gripe espanhola e tinham o hábito de higienizar a casa toda após receber visitas. Ninguém sabia direito o porquê. Isso me lembra aqueles velhos processos corporativos que ninguém sabe porque existe, mas seguem seguindo. Piloto automático.
Mas por que não gosto do “novo normal”?
Na verdade, eu não gosto da palavra “normal”. Não sei se é porque nunca me senti normal, nunca me encaixei em padrões, porque sou hacker em encontrar buracos em “normatizações” e “padronizações” já que elas me sufocam ou pelo sol em aquário mesmo.
Mas me incomoda o preconceito que sofre quem não se enquadra nos padrões. Num mundo masculino e heteronormativo, que busca desenfreadamente sucesso, dinheiro e fama, pessoas que se atraem por um estilo de vida diferente acabam ficando sempre à margem.
A verdade é que eu não me conformo com o normal. Ele é pobre, não tem cor.
O curioso é que, quando ouvi o termo “novo normal” há uns 10 anos, ele tinha um outro contexto, mais inclusivo. O novo normal era incluir as diferenças. E eu gostava dele…
Eu não vou normatizar o não contato físico, os 50% mais que hoje estão vivendo nas ruas de São Paulo, os mais de 70 milhões de desempregados no país ou os mais de 500 mil mortos no mundo.
Eu não vou normatizar minhas insônias, minhas crises de ansiedade, minhas lágrimas e minha insegurança com relação ao futuro próximo. Eu me recuso!
Pessoas me perguntam se eu acho que as pessoas vão evoluir com tudo o que estamos vivendo.
Na minha humilde opinião, aqueles que já estavam buscando um caminho de mais autoconhecimento, de mais compaixão e que tem o privilégio de ter pessoas (e dinheiro) orientando os processos podem ter saltos interessantes.
Entretanto, qual a porcentagem de pessoas que você conhece e que tem essa possibilidade? Além de tudo, precisa ter tempo e, mesmo trabalhando no tão sonhado home office, não rola. Até porque, o que o ficar em casa diminuiu o tempo perdido no trânsito, aumentou em carga de trabalho. Não tem mais: preciso fechar tudo aqui e ir para o meu compromisso.
Ah! Mas a crise não é uma chance de sairmos melhores?
É sim. Claro que é! Só que eu pergunto outra vez: quantos porcento pessoas você conhece que tem todos os recursos para fazer isso?
Se você disser que é mais que 20%, convido você para estourar sua bolha e conhecer os 70% de trabalhadores que estão em estado de burnout nos seus próprios lares (e eu nem sei quais serão as consequências disso) ou mesmo aqueles que tem uma família para alimentar e 0 reais no bolso.
Até meu gatinho está com estresse e vai começar a tomar antiansiolítico!
Você acha isso normal? Não importa se novo ou velho. Repito: você acha isso normal?
Esse normal é bem patológico, você não acha?
Por que afirmo que eu era normótico? Minha crise ocorreu por eu ter procurado ser normal, de ter realizado o que uma sociedade recomendava e recomenda até hoje sobre o que é ser um homem bem-sucedido.
A sociedade, por meio dos meus pais, moldara um ser humano bem-sucedido aos trinta e três anos. Um homem de sucesso porque eu tinha tudo: tinha a minha residência, tinha a minha casa de campo, tinha a minha piscina, tinha meu cargo na universidade, tinha o meu cargo junto ao presidente do maior banco da América Latina, tinha o meu consultório, tinha o meu livro best-seller, tinha entrevista na televisão, tinha, tinha, tinha, tinha… E minha normose era, justamente, ter. Havia introjetado toda uma civilização do ter. Eu tinha, tinha tudo e estava muito infeliz, não era um homem realizado. Conformado a este contexto, eu acabei tornando-me normótico.
Por quê? Porque eu segui a norma que me levou à patologia: a patologia moral – era profundamente infeliz; a patologia social – me divorciei porque, quando se está infeliz, culpam-se os outros; e uma patologia orgânica – a separação me levou a fazer um câncer. Então, já temos o conceito da normose: é o conjunto de hábitos considerados normais e que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade e à doença. Embora resumida, é a definição que eu tenho seguido até hoje, muito útil e clara. – Pierre Weil
Se essa definição de normose do querido Pierre Weil não deixar claro de que tem algo errado com o novo ou o velho normal, sinceramente falhei escrevendo tudo isso aqui.
Mas voltando ao começo desse textão, contei sobre a normose para o motorista do 99, naquela manhã de quinta, enquanto ele me levava até o hospital veterinário.
Ele deu um respiro e me disse: “Entendi tudo! É por isso que as pessoas sofrem. Muitas fichas estão caindo aqui e eu nem sei o que dizer. Estou emocionado. Como uma viagem tão curta, a essa hora da manhã pode me levar para esse lugar?”
Acho que nunca mais elevai se relacionar com palavra normal da mesma forma. E também nunca mais vai relacionar com seus sofrimentos da mesma forma. Que bom!
A gente não falou de nossas vidas, nem de nossos desafios atuais. Realmente foi uma viagem curta e óbvia, como todo insight sempre é. Como a vida sempre é.
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