por Alessandra Calheira
Estamos no Setembro Amarelo. Tempo em que a sociedade brasileira se articula para promover e se engajar em uma série de ações que visam prevenir o suicídio em todo o país. O tema que é urgente e está intimamente relacionado a questões que envolvem a saúde mental, precisa ser debatido em múltiplos espaços, sob os mais diferentes vieses. Este foi o motivo que me encorajou a aproximar o assunto do meu lugar de fala para tratar de uma questão séria que há anos vem afligindo as mulheres e se complexificou ainda mais durante a pandemia: a jornada contínua de trabalho. Sim, você leu certo. Não se trata mais de dupla jornada e nem de tripla jornada e sim de jornada continua de trabalho.
De forma geral, a maior parte dos grupos sociais reconhece a sobrecarga laboral enfrentada por mulheres que precisam atuar no mercado e ainda desempenhar ações que envolvem o cuidado com crianças, idosos, doentes e com a rotina familiar. Um trabalho exaustivo que não é percebido e nem valorizado por uma sociedade que se estruturou nas bases machistas e patriarcais. Estudos indicam que essas atividades invisíveis geram uma sobrecarga que pode variar entre 7h a 10h semanais se comparadas a jornada exercida por homens.
Como consequência deste estresse ocupacional, as mulheres recebem salários menores, sofrem pressão por ter que comprovar frequentemente a sua capacidade e têm tido, ao longo da história, muito menos oportunidades de alcançar cargos de liderança mesmo sendo a parte da população que mais investe em educação e que também costuma ter o melhor desempenho. A problemática supera questões de ordem prática e invade o campo subjetivo exercendo forte carga mental, um sentimento de frustração e incapacidade, fadiga, baixa autoestima que, invariavelmente, se desdobram em doenças mentais nos mais diversos níveis.
O que já estava ruim ficou ainda pior durante a pandemia do coronavírus devido ao surgimento de dois novos fatores: a impossibilidade das crianças irem a escola e a perda total da rede de apoio. O acumulo de tarefas que outrora eram compartilhadas e executadas por outras pessoas passou a gerar mais responsabilidades, necessidade de adequação, sobrecarga e estresse.
Durante esse tempo de isolamento quantas mulheres você ouviu relatar que passou ou passaria o final de semana fazendo faxina, organizando a casa ou as coisas que não puderam ser feitas ao longo da semana? Cientistas indicam por isso a existência de um fenômeno que vem sendo chamado de jornada continua de trabalho. Mulheres que só param de trabalhar enquanto dormem. Isso vem acontecendo no mundo inteiro e ganha contornos ainda mais dramáticos quando envolve o cotidiano de mulheres negras e de grupos vulnerabilizados.
Essa é uma discussão urgente que não pode ser rotulada como mimimi, pauta de apenas um grupo social ou de partidos políticos. Não pode haver espaço na sociedade para que a jornada contínua de trabalho seja considerada o novo normal. Um mundo melhor como a que sonhamos precisa ter forças integradas atuando em equilíbrio. Só assim poderemos ter um setembro florido e tempos mais coloridos para todos.
Fonte: Bahia Noticias