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As Três Perguntas Fundamentais: Uma Reflexão Sobre o Fim da Liderança

Uma das coisas interessantes em viver em um país que não é o meu tem sido observar como as coisas funcionam por aqui. No próximo dia 9 de março terei cumprido, oficialmente, 6 meses em terras Argentinas. Tomei uma decisão que, pelo menos nos primeiros meses, não iria participar de grupos ou encontros de brasileiros por aqui…leria pouco jornal do Brasil, veria poucos vídeos e programas brasileiros (não assinamos os canais internacionais do Brasil em casa, por exemplo) e, toda ajuda que precisasse, a buscaria na pequena comunidade de contatos que conseguisse fazer. Tem dado certo. Um dos pontos altos foi quando conseguimos concretizar a assinatura do periódico La Nación, não pensem que foi fácil … demorou nada mais nada menos que quase 2 meses para que conseguíssemos receber o jornal em casa e então desfrutarmos de um prazer antigo da nossa vida conhecida, acordar aos sábados, preparar um delicioso café preto e sentarmos para ler o jornal juntos.

O Fim da Liderança?

Assim como algumas séries de produção Argentina no Netflix me ensinam sobre a cultura, os chistes, a forma como a sociedade se compõe, sua história e, claro, sua língua; O jornal serve para me situar sobre o que anda mobilizando a sociedade nos dias atuais. Assim como a Folha de São Paulo, com a Folha Ilustrada, ou o Estadão, com o Caderno 2, o La Nación tem o caderno Sábado. É uma mistura de tendências, comportamento, notícias de shows, gastronomia, estilo e por aí vai. Até então, tudo trivial, conhecido. Eis que, no último sábado 17 de Fevereiro, a reportagem que ilustrava a capa do caderno Sábado era: “O fim da liderança? “ Ao lado da reportagem sobre a pizza ser o prato mais pedido nos países da América Latina, uma reportagem incrível costurava dados do Fórum Econômico Mundial de 2018, tendências de startups e empreendedores argentinos, adicionando as opiniões, olhares e ensinamentos precisos da Barbara Kellerman, a professora de Harvard aclamada como uma das maiores estudiosas do tema liderança da atualidade. E ela, creiam, optou por tirar a palavra liderança do seu vocabulário.
“Não dou mais palestras, não escrevo, não ensino sobre liderança às secas. Para todos os fins, substituí a palavra pela ideia do sistema de liderança (…) Isso inclui três partes igualmente relevantes: o líder - sim - mas também seus seguidores e o contexto em que interagem”.*

As Facetas da Vida

O artigo está muito bem escrito e não é a minha intenção reproduzi-lo. Muitas coisas nele me chamaram atenção mas, principalmente, a composição do “caderno sábado” me trouxe uma reflexão sobre as facetas da nossa vida: comportamental, profissional, alimentícia, lazer, estudos, criatividade, estilo, literatura, cotidiano e, claro, um pouco de psicanálise (essa para mim é uma das delícias de viver aqui!). Um compilado próprio da diversidade de interesses de uma vida comum. Seguindo a ideia de Kellerman, fiquei pensando em como essas três partes centrais, do que ela chama de sistema de liderança, podem ser colocadas em marcha no nosso sistema diário, ou melhor, no nosso caminhar como indivíduos: nós, nossos seguidores e em que contexto nós interagimos. E me deu um estalo! Não é que essas três facetas conversam, intimamente, com as perguntas existenciais que a filosofia nos deixou de legado?!

Quem Eu Sou?

O nós no sistema de liderança ou, poderia ser: Quem eu sou? É muito confortável permanecer preso em ambos os lados do rio: ser de uma escola antiga, onde a cultura, os valores e as experiências que me constituíram não possam ser revistas, renovadas e ressignificadas ou ser a nova geração que, a todo momento, é estudada e rotulada e que ainda não teve tempo de parar para refletir sobre a cultura que está inserida, os valores e as experiências que lhes compõe. E dessa matemática complicada, o único denominador comum é o Eu. Por isso, não existe outra alternativa a não ser o autoconhecimento. Gosto muito de uma frase do Sadhguru que diz: “A luz vem e vai. Escuridão sempre está, esta é a base da existência”.  A cultura ocidental tem uma tendência a polarização e a fixação no fim da jornada, no objetivo, no goal. Queremos chegar e sermos melhores, de preferência sem passar por nenhuma experiência dolorosa, sem sofrer, sem conhecer as nossas sombras. Adentrar como conjunto, nós, num sistema de liderança, onde todos podem exercê-la - e não se engane, as vezes a gente faz a opção de não liderar nada, nem nossas próprias vidas e escolhas - exige muito trabalho interno, não é à toa que a pergunta quem sou eu? sobrevive - há milênios - sem que alguém, categoricamente, lhe dê uma resposta final. Impossível ela ser única para os mais de 7 bilhões de humanos que habitam esse planeta, e seguimos contando.

Quem São Meus Seguidores?

Os nossos seguidores no sistema de liderança ou, poderia ser: De onde vim? E como faz, se não trabalharmos constantemente para nos aproximarmos de nós mesmos, da nossa essência, se não fizermos uma verificação constante das nossas ideias e das nossas crenças? Quem será que vou atrair? Quem serão as pessoas ao meu redor? A trajetória, as costuras de pessoas que fiz durante os anos, as minhas origens, a ancestralidade por detrás das minhas escolhas e dos meus padrões e muitas outras nuances tentam compor uma resposta à esta pergunta. Mas, para mim, “de onde eu vim?” também me leva a refletir sobre as minhas ações mais recentes e me deixa uma pergunta: quando olho para os meus seguidores, quem são eles? Cegos ou pessoas que me provocam e me tiram da zona de conforto das minhas certezas? Deixo vocês com a sementinha de uma palavra que vamos ouvir cada vez mais a partir de agora, os nossos seguidores vão perder esse nome com mais rapidez do que vocês imaginam e passarão a se autodenominar e a serem conhecidos como nossos irmãos companheiros, nossos fellows. E dentro do companheirismo não cabe totalitarismo, unilateralidade e podium individual. Seremos nós. Fellowship. É impossível, para mim, refletir sobre seguidores sem lembrar a grandiosidade dos conceitos e olhares do Freud no texto: Psicologia das massas e análise do Eu. Se você não conhece, sugiro a leitura. Em que contexto nós interagimos no sistema de liderança ou, poderia ser: Para onde vou? Para onde vamos? A analogia das duas margens de um rio ainda permeia o meu pensamento … e, não acredito que aonde devamos ir seja nem uma margem e nem a outra. Penso nessa pergunta como sendo uma ponte.

Bridges to the Future

Uma amiga disserta sobre um projeto dela chamado “bridges to the future” (pontes para o futuro). Enquanto ela fala uma sucessão de imagens desse artigo sobre o fim da liderança; sobre as grandes perguntas filosóficas; sobre espiritualidade; sobre os tantos momentos de transição que nós já passamos; sobre mais este momento de transição que estamos vivendo; sobre os muitos outros que ainda virão e penso que, talvez, o “para onde vamos?” começa com a construção de uma ponte, sim, cada um em sua margem construindo um caminho ao centro. Esse encontro será forte a medida que trabalharmos individualmente para juntarmos nossa margem superior (cabeça) e a nossa margem inferior (pés/mão, por onde agimos) e passamos a nos relacionar pelo centro, a partir do nosso coração, em todos os ecossistemas da nossa vida.  
A reportagem do La Nación esta aqui: https://www.lanacion.com.ar/2109873-el-fin-del-liderazgo-en-10-tendencias Uma boa tradução do texto Psicologia das massas e análise do Eu, (Sigmund Freud) você encontra no volume 15 das obras completas de Freud recentemente editado pela Companhia das Letras. *Tradução livre, Barbara Kellerman.
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