Há quinze dias uma onda de protestos tomou conta de Minnesota nos Estados Unidos e rapidamente se espalhou por diversas parte do mundo, repercutindo em mídias sociais e meios de comunicações.
A morte de George Floyd tem ecoado ao longo dos dias, por ter sido mais uma vítima do racismo. Mas hoje, meu convite à reflexão através desse texto, vem da frase que ouvi repetidas vezes ao longo desses dias, “NÃO AGUENTO MAIS ESSE ASSUNTO”.
Enquanto alguns repetem essa frase, por serem colocados frente a frente com um assunto tão urgente e doloroso por apenas quinze dias, eu não me canso de pensar, quantas vezes faltou ar as pessoas negras ao longo de séculos.
No livro Raízes da Desigualdade Social na Cultura Política Brasileira, Tereza Sales apresenta muito bem a citação do negro pós escravidão no Brasil,
“São milhões que se acham nessa situação intermediária, que não é o escravo, mas também não é o cidadão (…)” Situação que se arrasta até hoje, século XXI, era dos grandes avanços tecnológicos, e nós negros ainda não podemos respirar.
Rodrigo Cerqueira, João Pedro, Marcos Vinícius, Ágatha Vitória, Wilton Esteves, Carlos Eduardo, Wesley Castro, Roberto Silva, Cleiton Corrêa, Evaldo Rosa, Marielle Franco. A lista é extensa, faltariam parágrafos para enumerar tantos negros que foram mortos sem motivos, e aqui, bem debaixo de nossos narizes.
Uma morte causada exclusivamente pela cor de pele é o resultado de atos extremos de racismo. Mas, se voltarmos uns passos atrás, a dor ao longo do processo daqueles que sofrem é imensurável.
Entre elas, a falta de pertencimento e aceitação, Brené Brown em seu livro “A coragem de ser Imperfeito” e Lázaro Ramos em “Na Minha Pele”, retratam os danos físicos, psíquicos e sociais para um povo que cresceu ouvindo não serem capazes, ou belos, que são acusados e julgados continuamente considerados um bando de desprivilegiados.
Por falar em privilégios, muitas pessoas de pele clara sentem-se ressentidos quando ouvem que fazem parte do grupo de privilegiados brancos, a eles parece que concordar com o termo é o mesmo que invalidar os esforços despendido para que alcançar seus feitos. Entretanto, falar de privilégios, não é falar de meritocracia, mas de comportamentos.
Por exemplo, se você nunca foi abordado pela polícia enquanto se dirigia ao trabalho, questionado, revistado e encostado na parede, você tem privilégio branco; se nunca sentou-se do lado de alguém que se sentiu-se ameaçado ao ponto de esconder os pertences, você tem privilégio branco; se nunca sentiu receio/vergonha de entrar em determinados espaços, isso é privilégio branco; se as pessoas não ficam extremamente surpresas quando descobrem que possui graduação, isso é um privilégio branco.
Portanto, que tal parar de se ressentir e tornar seu privilégio em pontes para construção de um futuro ideal?
Um exemplo prático disso é esse ecossistema chamado Voicers, uma startup de educação tecnológica. O grupo surgiu do olhar atento de duas professoras brancas (Ligia Zotini & Karolina Felipe) que convidaram alunos que demonstraram grande interesse em compartilhar o que estavam aprendendo em sala de aula. O menor dos problemas para professora foi o de reunir o grupo, o desafio de fato, foi o de escavar sob as muitas camadas de medo, insegurança e pré-conceitos que haviam moldado parte daqueles alunos, que embora com grande potencial, não conseguiam achar em si próprios capacidades para dar vida ao projeto. A ponte construída não se resumia a valor monetário, e sim ao não julgamento, a confiança mútua, a descaracterização da imagem do jovem negro e periférico. Faço parte da construção desse ecossistema e também sou uma das alunas.
Outro exemplo de como privilégio branco pode se tornar uma grande arma contra o racismo, é o Movimento Conexão Favela, iniciativa criada para levar tecnologia à periferia de São Paulo. O movimento surgiu após uma palestra que ministrei na IBM sobre Tecnologia e Favela, na ocasião Caroline Muccida, uma jovem branca, usou seus conhecimento para ajudar na estruturação do projeto, unindo forças a mais pessoas, inclusive de moradores da periferia como eu e minha amiga Sibele Oliveira, nosso movimento tem ganhado força, e alcançado grandes resultados.
Por isso faço um convite para calçar os sapatos da empatia, de dizer não ao racismo de forma mais prática que virtual. Esteja atento ao seu redor, estoure suas bolhas, não é possível que em uma sociedade onde mais da metade da população seja negra, você ainda tenha só funcionários brancos, observem quem são seus amigos, que tal ampliar essa rede, colorir esses relacionamentos? Defenda teses, utilize argumentos de autores negros, consuma literatura e filmes cujo os personagens principais e os super-heróis também sejam negros. São tantos, Machado de Assis, Ângela Davis, Toni Morrison, Maya Angelou, Conceição Evaristo, João da Cruz e Sousa.
Vivemos um momento oportuno para curar outros, mas nos curarmos também.
Ao meu povo peço duas coisas: Levantem-se, lutem por nomes que são nossos, ergam a voz! Reconheçam-se na beleza singular de nossa raça, sejam os primeiros a valorizar quem são. Segundo, baixem as espadas, devemos juntar um exército, mas sem violência nas mãos. Seguindo o exemplo de Nelson Mandela e de Martin Luther King, que certa vez disse
“Não hesitamos de chamar nosso movimento de exército, era um exército especial, sem suprimentos que não a sinceridade, sem uniforme que não a determinação sem arsenal se não a fé, sem moeda senão a consciência. Era um exército capaz de se deslocar, mas não de atacar, um exército capaz de cantar, mas não de matar.”
Finalizo com algumas dicas de leitura, filme e podcast que me ajudaram a construir essa reflexão: Documentário A 13ª Emenda; Episódio Asfixia: a urgência de um movimento contra o ódio do Ed René Kivitz, Livro/Tedx A coragem de ser Imperfeito de Brené Brown, Música Ismália do Emicida e o Poema de Maya Angelou:
Ainda Assim Eu Me Levanto – (“Still I Rise”)
Você pode me inscrever na História
Com as mentiras amargas que contar,
Você pode me arrastar no pó
Mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar.
Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Jorrando em minha sala de estar.
Assim como lua e o sol,
Com a certeza das ondas do mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar
Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído?
Ombros curvados com lágrimas
Com a alma a gritar enfraquecida?
Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal,
Porque eu rio como se eu tivesse
Minas de ouro no meu quintal.
Você pode me fuzilar com suas palavras,
E me cortar com o seu olhar
Você pode me matar com o seu ódio,
Mas assim, como o ar, eu vou me levantar
A minha sensualidade o aborrece?
E você, surpreso, se admira,
Ao me ver dançar como se tivesse,
Diamantes na altura da virilha?
Das chochas dessa História escandalosa
Eu me levanto
Acima de um passado que está enraizado na dor
Eu me levanto
Eu sou um oceano negro, vasto e irriquieto,
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto.
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto
Em uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu me levanto
Trazendo os dons que meus ancestrais deram,
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos.
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto!por Maya Angelou