Criar arte em um ambiente digital abre um mundo de possibilidades para os artistas, que passam a poder se expressar através de imagens, vídeos, GIFs, músicas e mais. Ao mesmo tempo, o mercado de arte digital sempre sofreu com questões sobre reprodução e como garantir a autenticidade dos trabalhos, principalmente na hora de vendê-los.
É fácil de imaginar a compra de uma peça de arte tradicional, como um quadro ou escultura, porém não é tão simples no caso de uma arte digital, afinal, ela pode ser reproduzida infinitamente na internet e redes sociais. E é aí que entra o NFT.
O NFT, ou crypto art, surge como uma resposta para assegurar a origem da peça — mas também traz seus próprios problemas.
O texto abaixo explora o que é NFT, cita alguns dos principais artistas e celebridades que começaram a se aventurar na área nos últimos meses e exemplifica alguns dos pontos negativos que estão sendo discutidos atualmente.
O que é NFT e crypto art
Crypto art (ou NFT art) é toda produção artística digital que pode ter sua legitimidade verificada, assim como pinturas e esculturas originais. Esta validação acontece através do NFT, que é uma chave única atrelada à uma peça.
A sigla NFT é uma abreviação de non-fungible token, traduzido como token não-fungível. O NFT é como se fosse um selo criptográfico que representa algo único, portanto pode ser utilizado como prova de origem e autenticidade mesmo em ambientes virtuais. É possível “aplicar” um NFT em jogos, músicas, ilustrações e outros tipos de manifestações artísticas feitas digitalmente, como GIFs e até mesmo memes. Este processo também é chamado de “mint” ou “tokenização”.
O certificado fica salvo em uma blockchain, um banco de dados criptografado, permanente e independente que pode ser acessado de qualquer computador.
Embora as artes possam ser associadas a um NFT em qualquer blockchain, a Ethereum é a mais utilizada para esta finalidade. O banco de dados possui até uma criptomoeda própria, a Ether (ETH), e boa parte das transações são feitas com ela. Embora as compras possam ser realizadas com criptomoedas em geral, alguns sites como o Nifty Gateway e o Makersplace também aceitam outros meios de pagamento, como cartões de crédito.
A prática de compra e venda de crypto art começou a ganhar tração no segundo semestre do ano passado, mas foi em dezembro de 2020 e em janeiro de 2021 que os leilões realmente cresceram em popularidade e lances, com a chegada de artistas conhecidos às plataformas.
Como pode ser visto no gráfico acima, o mês de fevereiro de 2021 marcou um novo momento para a crypto art não apenas pelo crescente volume de artes e expansão do mercado, mas também por conta da entrada de um novo público, disposto a investir muito dinheiro em produções originais e oficiais de seus artistas favoritos.
Famosos que já adotaram
Embora algumas pessoas estejam usando os NFTs há meses, nomes como a cantora Grimes ajudaram a expandir o mercado exponencialmente, apresentando o conceito de crypto art para um público novo e mais amplo.
O site Nifty Gateway atraiu muitos olhares depois que o designer Mike Winkelmann, mais conhecido como Beeple, conseguiu US$ 3,5 milhões em um único drop — um lote de artes liberadas por ele na plataforma. O drop teve três artes abertas, disponíveis por apenas 5 minutos; 100 cópias de uma colagem chamada Beeple Everydays – Raw custando US$ 1 cada, e 20 artes originais únicas em um kit especial composto por um display mostrando a arte adquirida, um fio de cabelo do autor, um certificado impresso, entregues em uma caixa estampada com os trabalhos do artista.
Poucas semanas depois, Justin Roiland, um dos cocriadores da popular série animada Rick and Morty, colocou algumas artes à venda na plataforma e conseguiu US$ 150 mil em uma única ilustração.
O artista Rafael Grassetti, que trabalhou como diretor de arte no game God of War (2018), está lançando sua primeira coleção de esculturas baseadas em figuras importantes da crypto art — começando pelo próprio Beeple:
Você pode conferir todas as esculturas digitais feitas por ele no site CryptoHistory.art.
A escultura acima foi a “genesis” de Grassetti — termo utilizado para denominar o primeiro trabalho de NFT art vendido por uma pessoa, nos explica o artista e entusiasta de NFT, Marcelo Souza, também conhecido como Kumodot.
Marcelo está acompanhando de perto o mercado de NFT e, embora ainda não tenha colocado sua primeira peça para venda, já está engajado:
É de explodir a cabeça. Essa semana eu estava numa sala [do Clubhouse] com mais de mil pessoas e todo mundo falando de NFT, até a Paris Hilton. Estava lotado de artistas da música, gente grande.
Artistas musicais estão explorando a crypto art de um jeito diferente. O músico Mike Shinoda, integrante do Linkin Park e do Fort Minor, vendeu dez unidades de uma animação com um trecho de sua nova canção, chamada Happy Endings.
A peça foi feita por Shinoda e pelo artista Cain Caser e é animada em um loop com 75 segundos da música. Todas as dez unidades numeradas foram vendidas através da plataforma Zora, e todo o dinheiro arrecadado será enviado para o ArtCenter College of Design na Califórnia, EUA. Os compradores também receberão um pôster autografado pelos artistas — tanto pelo músico quanto pelo designer.
O DJ Steve Aoki foi para outro lado e lançou três coleções através do Nifty Gateway, uma delas sendo baseada em sorte. Chamada de Dream Catcher, comprador adquire um pacote que contém uma de oito artes possíveis. Na página do site é possível ver a chance de obter cada imagem:
Como praticamente qualquer forma de produto digital pode ser verificado por um NFT, há um site dedicado a vender tuítes. Chamado de Valuable by Cent, qualquer um pode colocar uma de suas mensagem a venda. Com isso, o CEO da plataforma, Jack Dorsey, resolveu colocar seu primeiro tuíte a disposição dos interessados.
O lance atual é de US$ 2,5 milhões. O comprador receberá um certificado com a assinatura de Dorsey, além dos metadados da publicação original. Esses dados conterão informações como a hora em que o tuíte foi enviado.
Segundo o próprio Dorsey, o valor será convertido em bitcoin e doado para os fundos referentes ao combate da COVID-19 na África através da instituição Give Directly,
NFT é bom para os artistas?
Além de ser algo que garante exclusividade — já que o NFT é um código único e imutável –, há quem defenda que a crypto art aproxima o digital da arte tradicional.
Marcelo Souza afirma que esta é a única forma de rarificar um produto digital, ou seja, torná-lo escasso:
Traz inúmeros benefícios para qualquer artista que distribua qualquer conteúdo por meios digitais, pois assegura propriedade, assegura royalties, assegura verificação até a fonte, assegura valor agregado. Se você tirar toda especulação de jogo, ainda assim é uma grande passo para artistas em geral. Da música, artes, vídeo, áudio, pintura digital, etc.
A utilização de NFTs para garantir a autenticidade de peças virtuais é algo ainda mais interessante para produtores de conteúdo como motion design, um tipo de arte que só é viável através de meios digitais. Em publicação no site School of Motion, os artistas E. J. Hassenfratz, o próprio Beeple e Don Allen discutem o assunto com este foco, ressaltando a questão de direitos autorais:
Uma das melhores partes de vender crypto art é que o artista sempre mantém o direito autoral e ganha royalties em cima de cada venda no mercado secundário. […] Um efeito colateral bem legal deste negócio chamado crypto art é que vemos um monte de artistas de motion com um pensamento de artistas tradicionais. Animadores estão usando a criatividade e fazendo uma série de peças como o Dead Meme do Filip Hodas, em que a arte parece que está num museu, em cima de um pedestal com etiquetas de museu.
Uma das obras dessa série, a caveira animada do troll face, foi vendida por US$ 1,2 mil.
Não é uma solução perfeita
Porém, o NFT está longe de ser uma solução sem defeitos. Embora seja aberto para a participação de todos, o mercado de crypto art, o sistema apresenta os mesmos problemas do mercado de arte tradicional: os valores parecem atrativos para quem quer viver disso, mas é importante observar que apenas uma pequena parcela de artistas e compradores movimenta grande parte das transações.
Além disso, o pagamento de direitos autorais fica restrito a plataforma em que a arte foi associada a uma chave. O artista Justin Cone dá um exemplo em seu blog: se a arte foi colocada primeiro em um site como o Rarible, caso ela seja vendida para alguém fora deste site, em ambientes como o OpenSea, o autor não pode mais receber os royalties pela transação.
Com a crescente popularidade do sistema, algumas pessoas estão roubando ilustrações e transformando-as em crypto art, ganhando em cima de um trabalho que não foi feito por elas. O golpe mais comum é através do Twitter. Uma conta transforma o tuíte em questão em um NFT, que pode ser vendido.
O artista RJ Palmer ainda levanta uma questão que vai além. Se tudo pode ser transformado em NFT, isso abre espaço para que outros tipos de imagens sejam vendidos.
A comunidade artística tem estado tão preocupada com roubo de arte e direitos autorais em NFTs, o pensamento de que alguém pode colocar um NFT em uma foto com nudez é realmente horripilante. Alguém pode simplesmente vender uma foto do seu corpo sem permissão. O que faremos quanto a isso?
E, acima de tudo isso, está o impacto ambiental. O processo de mineração de criptomoedas e transações usando a blockchain Ethereum gastam muita energia — cada transação usa uma quantidade de energia suficiente para alimentar uma casa média nos EUA por um dia inteiro.
Se levarmos em consideração apenas os cinco artistas com maior valor total entre todas as plataformas de NFT analisadas pelo criptoart.io, o número de vendas passa dos 10 mil. O site lista 2.726 artistas no total.
Resumindo…
- NFT é um código único anexado à uma peça para garantir que ela seja única
- O artista Beeple conseguiu US$ 3,5 milhões em um período curto de tempo, chamando a atenção de algumas pessoas
- Em fevereiro de 2021, diversas celebridades fizeram seus próprios drops, como a cantora Grimes, que conseguiu US$ 5,2 milhões
- Jack Dorsey, CEO do Twitter, colocou um de seus tuítes para leilão como NFT
- O artista RJ Palmer levanta questões sobre garantir a autoria do que está sendo vendido como NFT
- Há discussões sobre o impacto ambiental dos NFTs, que gastam uma enorme quantidade de energia para registrar cada transação
Estamos presenciando a popularização de um novo mercado de arte digital, com conversas vitais sobre o assunto acontecendo dia após dia. Não é possível prever se os NFTs serão algo realmente duradouro, ou se é apenas uma bolha de hype fadada a estourar eventualmente. Este é apenas um ponto de partida para mais discussões que surgirão em um futuro próximo.
Fonte: Jovem Nerd