O feriado do dia vinte de novembro é comemorado desde 2003, mas oficialmente foi instituído em âmbito nacional mediante a lei n° 12.519 em 2011. A data é um convite a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade e um marco na luta contra o racismo, pois nesse dia foi morto Zumbi dos Palmares no ano de 1695. Embora os negros representem 55,4% da população brasileira, pesquisas apontam que a representatividade dessa galera está muito aquém do que deveria, e isso no âmbito educacional, social e econômico. Quero convida-lo para uma conversa também sobre esses números, mas principalmente para uma reflexão sobre um tipo de preconceito que ainda não foi mensurado e que tem causado danos irreparáveis. Vem comigo nesse bate papo?
A definição de racismo se dá sobre o preconceito e discriminação direcionados a quem possui uma raça ou etnia diferente… Para os que vivem na pele essa teoria, existe uma forma mais prática de definição: “Seguranças de um shopping center já me seguiram sem motivo algum”; “Já me disseram que meu corpo era perfeito mas que eu deveria usar um saco de papel na cabeça porque o rosto e o cabelo não ajudava”; “Certa vez um médico oftalmologista recusou-se a prestar atendimento alegando que meu problema não era de visão e sim de analfabetismo, mesmo sendo eu formada”; “sempre tive problema com baixa autoestima e no dia que resolvi conversar com uma psicóloga, ela me orientou a juntar dinheiro e fazer uma cirurgia plástica para diminuir os lábios e afinar o nariz”. Essas são algumas das minhas experiências de racismo, mas tem muita gente por aí achando que a melhor definição seria mimimi.
Para os que tiveram oportunidade de acompanhar a Exposição Histórias Afro-Atlânticas no Masp em São Paulo, observou um vídeo gravado no Rio de Janeiro há poucos anos atrás que instruía a população negra como se portar caso fossem abordados por policias, minimizando os riscos de serem mal interpretado (julgados como criminosos).
“Ao longo de 300 anos o Brasil recebeu cerca de 46% dos 11 milhões de africanos e africanas que desembarcaram compulsoriamente nesse lado do Atlântico.” Apesar desse grande número, pouco se vê ou ouve sobre a cultura africana nesse país. Como diz Lázaro Ramos no livro Na minha Pele:
“Ao contrário do que nos ensinaram nas escolas, Zumbi dos Palmares nunca foi um rebelde, mas alguém que lutou veemente contra um sistema que não era justo. Nunca deveríamos chamar nossos ancestrais de escravos, e sim de africanos escravizados, e que a liberdade não veio de uma canetada da princesa imperial, mas após muita luta”.
É exatamente sobre essas entrelinhas que gostaria de convidar você meu querido leitor a refletir. Existe um tipo de racismo, não apenas em nosso país, mas no mundo, que não pode ser mensurado, porém é tão prejudicial quanto aquele verbalizado ou explicito em ações preconceituosas.
- Ok Solange alguns dados que você trouxe aqui já entendi, o que não entendi ainda foi essa história de que sua consciência não era negra.
Já viram o vídeo no YouTube chamado “Wish a Doll (Black Doll White Doll Experiment)”
Inconscientemente essas crianças de alguma forma associaram a cor da pele negra como sendo feia e mau.
Há uns sete anos um amigo questionou porque eu não deixava o cabelo natural, prontamente respondi porque não queria, gostava dele liso. Faz exatamente um ano que cortei o cabelo e estou deixando crescer sem o uso de química. Não foi uma decisão fácil, chorei durante uma semana. E só cortei mesmo porque na época minha chefe Márcia Regina, garantiu de todas as formas que eu não desistisse. Foi após esse episódio que entendi que a resposta à pergunta do meu amigo na verdade seria, “porque tenho medo”.
O medo que inconscientemente mantive por anos e só o percebi recentemente foi plantado e suprido por pequenas ações da mídia e também por pessoas próximas. Frase simples, ditas de forma incompreensível, mas carregada de crueldade, como por exemplo “Vai sair com o cabelo assim!?" Qual conceito de beleza nos foi ensinado? Quantas vezes os negros atuaram e ainda atuam em papéis que os retratem exclusivamente como serviçais. “Essas são marcas que ficam gravadas como tatuagem e nem sempre percebemos seu efeito em nós”.
As palavras negro e resistência tomaram-se sinônimos. Os discursos acalorados e emocionados quase nos fazem acreditar que uma vida de resistência é uma vida boa. Já imaginou quanta resistência existe em cada olhar de desconfiança, repulsa ou pena; resistir todas as vezes que não fomos considerados padrões de beleza… São pequenos incômodos - que para muitos inexistente — que nos fazem não apenas resistir, mas também deixar de existir.
O dia 20 de novembro faz parte de um movimento importante, em que todos devem compreender o quanto a cultura negra é sensível e profunda. Porém, mais do que um dia de militância, deve ser um dia de consciência, sobre si e os outros. Aprendi que o amor próprio de um negro é construído. Demorei trinta anos para entender, mas estou construindo o meu. Hoje não só respeito meus traços físicos como os admiro, eu tomei consciência.
Meu amigo, se você seguiu até aqui, permita-me dizer algumas palavras mais.
Não gostaria que mais nenhuma criança negra precisasse tomar consciência do quanto sua cultura é rica e profunda. Mas para isso precisamos estar mais atentos. Sem dúvidas, medidas públicas devem ser criadas e incentivadas. Porém cruzar os braços e esperar unicamente pelo governo é o mesmo que apoiar a cultura do racismo no Brasil. O processo de tornar a consciência negra ainda não é natural, exige um outro olhar, exige colocar-se no lugar do outro, exige olhar para si, envolve dor e resistência, mas por fim, é um movimento libertador. Seja você negro ou não… A luta envolve todos!
Divido aqui alguns materiais que me ajudaram nesse processo:
- TED “O perigo da história única”
- Livro: Na minha Pele de Lázaro Ramos
- Livro — O olho mais azul (ainda não li, mas é uma forte indicação)
- Peça: Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
- Peça: O Topo da Montanha — Com Lázaro Ramos e Taís Araújo
- Talk Show: Entrevista de Barack Obama para David Letterman
- Música: Ismália (Emicida)