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Porque Você Deveria se Importar com o Escândalo da Cambrige Analytica e o do Facebook

Tiro, porrada e bomba esta semana no mundo facebookiano. A revelação de que a consultoria Cambridge Analytica teria utilizado sem autorização as informações de mais de 50 milhões de perfis da rede social para campanhas políticas fez com que as ações da empresa de Mark Zuckerberg perdesse mais de 50 bilhões de dólares em valor de mercado. Coisa pouco, troco de bala, né? Mas por que esse escândalo importa para mim, você e todo o resto? Vem que eu te conto.

Capítulo 1: nunca foram flor que se cheire

A reputação da consultoria política Cambridge Analytica nunca foi essas coisas. Afinal, sua atuação nas campanhas de Donald Trump e do Brexit não eram novidade. A participação societária de Robert Mercer, um bilionário conservador americano, e Steve Bannon, outro grande nome do conservadorismo político dos EUA, também não era segredo. Tampouco, a especialidade da empresa, que era traçar perfis psicográficos do eleitorado, usando bancos de dados, para ajudar a formatar campanhas políticas.

Antes de eu chegar na novidade mesmo, vou explicar um pouco sobre essa coisa dos perfis psicográficos, porque é importante. Anos atrás, pesquisadores do Reino Unido haviam descoberto que é possível descobrir características de uma pessoa, de uma maneira muito precisa, apenas pelos likes dela no Facebook, desde coisas básicas como gênero, idade, raça, traços psicológicos como introversão e extroversão, e claro, orientação política.

E era esse tipo de informação que a Cambridge Analytica prometia aos seus clientes. O detalhe é que a empresa não tinha dados suficientes à mão para executar este trabalho rapidamente, mas tinha pressa.

Capítulo 2: o acadêmico russo e a terra de quase ninguém de Zuckerberg

O centro de pesquisa que detinha os dados dessa pesquisa, que por acaso fica na Universidade de Cambridge, negou à consultoria o acesso à sua base de dados. Mas outro pesquisador, o russo-americano Aleksandr Kogan, concordou. Em 2013, ele criou um aplicativo, meio disfarçado como um teste psicológico sério, para coletar os dados. Quem baixou o aplicativo fazia um consentimento formal desta coleta, achando que era para uma pesquisa acadêmica, mas aí é que vem o pulo do gato.

Por essa época, o Facebook era muito mais relaxado com os dados de seus usuários do que é hoje (não que hoje… bem, deixa para lá). E o aplicativo de Kogan podia não só pegar os dados de cada um que tinha concordado com isso, mas também de todos os amigos destas pessoas no Facebook. E com isso, eles ganharam acesso às informação de nada menos que 50 milhões de pessoas. Vou repetir: cinquenta milhões de pessoas. Isso é um quarto da população brasileira. Apenas 270 mil deles haviam concordado oficialmente com isso.

Isto não foi um vazamento e o Facebook não foi hackeado

É importante frisar que isto não foi um vazamento e o Facebook não foi hackeado. Tudo foi feito dentro das regras da rede social na época. Mas se o Facebook permitia que os dados fossem coletados, ele proibia que esses dados fossem vendidos para empresas que pudesse lucrar com eles. E foi exatamente isso que Kogan fez.

Para sermos justos com o Facebook, em 2014, as regras de acesso aos dados de usuários ficaram mais rígidas. A funcionalidade de compartilhar dados dos amigos foi eliminada e apps agora precisam de autorização expressa do usuário para coleta de dados. E quando a empresa descobriu que a manobra de Kogan e da Cambridge Analytica, em 2015, ela retirou o aplicativo da plataforma, e exigiu que os dados coletados fossem apagados. Qualquer que seja a prova que o Facebook recebeu que isso tinha acontecido, eles ficaram satisfeitos com ela.

Isso até semana passada, quando um ex-funcionário da Cambridge Analytica contou aos jornais The New York Times e The Observer que não, os dados ainda existiam, e tinham sido usados em campanhas políticas desde então, inclusive nas de quem? Trump e Brexit.

Aí, a coisa ficou feia.

Capítulo 3: Markinho ajoelha no milho

É bom lembrar que os Estados Unidos já estão passando uma investigação que está quase no presidente, sobre interferência russa na eleição de 2016, usando o Facebook, de um jeito bem semelhante aos métodos alardeados pela Cambridge Analytica.

Se essa história dos russos já não estava pegando bem, agora sujou de vez. No começo da semana, o Facebook fez um anúncio meio sem graça, que tinha contratado uma consultoria para investigar o episódio, e ficaram quietos esperando o furacão passar.

Claro que não foi suficiente, e na quarta-feira, lá foi Mark Zuckerberg fazer a turnê das mil desculpas: além de um textão no Facebook, entrevistas na CNN, New York TImes, o site especializado Recode e a revista Wired. No textão, ele anunciou uma auditoria rigorosa de todos os aplicativos da plataforma; expulsão de quem não seguir as regras; aviso aos usuários cujos dados foram coletados sem autorização; e um limite ainda maior dos dados que podem ser coletados a partir de agora. Ele também prometeu facilitar a “limpa” de dados e apps por parte dos usuários, e deixar as configurações de privacidade bem mais visíveis no feed.

À imprensa, ele admitiu algumas coisas: entre elas, que simplesmente confiar que a Cambridge Analytics tinha apagado os arquivos não foi muito inteligente; que havia o desafio das eleições deste ano em vários países, inclusive o Brasil; que ele testemunharia ao Governo americano se necessário e que, houve uma quebra de confiança que demorará para ser recuperada.

Capítulo 4: vou deletar o Face e ficar só com o Insta e o Zap

#DeletaFacebook: foi o que sugeriu Brian Acton, um dos fundadores do WhatsApp, que postou em sua conta no twitter a hastag da campanha que viralizou nessa semana. Actonnão trabalha mais no WhatsApp e vem investindo no Signal, um futuro concorrente. Por que ele não trabalha mais no WhatsApp? PORQUE ELE VENDEU PRO FACEBOOK.

E o dono do Instagram, você sabe quem é? Dica: não é o Twitter. Se você consegue viver sem os três, pode ir fundo.

Se Ficar o Bicho Pega Se Correr o Bicho Come

Isso na verdade mostra um problema real: não tem para onde fugir! Deletar o Facebook (ou qualquer rede social) significa também perder conexões familiares, sociais e de trabalho importantes. Apps como o Tinder vinculam-se diretamente ao seu perfil, e outros como o Uber e o Spotify usam o Facebook para facilitar seu login nele.

Sem contar quem usa o Facebook ou Instagram profissionalmente, para divulgar seu produto ou até fechar negócios. WhatsApp, então, nem se fala. Sair deles é um luxo para poucos. Mas se você pode e quer tirar o Facebook da sua vida, quem sou eu para te impedir?

E não é como se outras plataformas, como o Google, também não recolhessem seus dados para uso. Então, tomar atitudes individuais, como sair de uma rede social, não resolve muita coisa. Melhor seria pressionar para que essas redes sejam melhor regulamentadas e que se responsabilizem por mais, como por exemplo seu papel em fake news.

E guarde esse mantra para a vida: quando você não paga por um serviço, você é o produtoNão existe almoço grátis em tech.

Calma que já está acabando.

Capítulo 5: a conexão verde-amarela

Adivinhe onde a Cambridge Analytica tem escritório, além de Nova York, Londres, Washington e Malásia? São Paulo. Rua Estados Unidos, 367, para ser mais exata.

A consultoria atuava em parceria com uma empresa paulistana, prospectando candidatos para as eleições de 2018, mas os nomes deles não foram divulgados. O parceiro brasileiro, o publicitário André Torreta, disse ter sido pego de surpresa pelo escândalo e suspendeu o convênio com a Cambridge Analytica. Mas o Ministério Público  já anunciou a abertura da um inquérito para investigar o que a Cambridge Analytica fazia e se ela tinha acesso de usuários brasileiros do Facebook.

Tudo isso aconteceu em menos de sete dias. Imagine o que vem mais pela frente.

Fonte: Ada
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