Já faz alguns dias que venho pensando no processo entre a dor e a criação. Já criou arte como resultante da dor? E mais do que isso o que essa arte comunicava?
Esses meus devaneios veio depois de uma conversa com uma amiga que é psicanalista, artista, pesquisadora, tecnologica e amiga. Conversava com Hellene Fromm que me dava detalhes da vida e obra da artista sueca Hilma af Klint, essa que é protagonista de seu último livro infantil. (Leia mais AQUI)
Hilma me passa a impressão de ser a dona do arco-íris. Suas obras tão vivas, coloridas e profundas carregam informações que renderia conversas filosóficas infinitas. Hellene me contou que Hilma usava muito as cores azul e amarelo, o que me fez conectar a um outro artista, Emicida, este brasileiro. Suas telas são pintadas com a voz e seu último álbum traz uma provocação vestida em uma cor, AmarElo.
Os dias que se seguiram ouvi Emicida e observei as obras de Hilma quase que em loop infinito. Foi nesse processo que percebi que Hilma e Emicida não eram congruentes unicamente na utilização da cor, a conexão entre os dois e consequentemente comigo estava baseado na dor.
Hilma experimentou a dor da perda, da busca, de percorrer uma estrada num vôo solo na contramão dos padrões de sua época. Emicida enfrentou e ainda enfrenta preconceitos, morte, racismo e desigualdade. Foi aí que concluí que a dor pode resultar em arte, e continue a ouvir e observar.
Vinte dias depois, aqui estou, dando um passo atrás, minha teoria de que a dor resulta em arte caiu por terra. A dor pode até produzir algo, mas depois desse longo processo, imersa no universo desses dois artistas, percebi que não entrei em contato com a dor deles, e sim com o processo de cura.
Ruth Barbosa, filósofa e Consteladora afirma que a arte é um instrumento de transformação e comunicação, um agente conciliador (Conciliar-DOR). Diferente do que temos consumido por aí, obras que só provocam dor, rancor, e faz acessar o que há de pior em nós, as artes de Hilma e Emicida provocam um processo alquímico, tal qual eles passaram. Não! eles não estão livres da dor, impossível não sentí-la ao ouvir Ismália, que retrata algumas mortes, entre elas a de cinco meninos com 111 tiros. O diferencial é que arte deles provocam reflexões, é um convite ao autoconhecimento e pertencimento e nesse processo você descobre a cura, não a deles, mas, a sua.
A primeira vez, e isso foi recentemente, que consegui transformar uma dor em um processo de cura, resultou em conectar Tecnologia e Favela, e a partir daí surgiu palestras, projetos, e eventos. Quando eu estava só na minha dor tudo que eu reproduzia era culpa, vergonha, revolta. Na alquimia de me enxergar em um ambiente não apenas hostil, mas de criação, colaboração e oportunidades, surgiu a verdadeira arte.