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“O Futuro é Feminino” não apenas porque quer, mas porque precisa

por Camila Berteli

Já faz um tempo que tenho me aprofundado no tema do feminino enquanto comportamentos, formas de atuação e vida criativa. Em específico, na representação e nos estereótipos que o tema carrega dentro das organizações.

Um conceito que me apaixonei neste processo de aprendizagem foi o da Jornada da Heroína de Murdock, para ler mais sobre ele aqui no Voicers — http://www.voicers.com.br/a-jornada-da-heroina-um-olhar-para-a-nossa-propria-historia

Toda a nossa construção enquanto sociedade carrega esses padrões e modelos. Formas que são aprendidas e repetidas. Ao longo da nossa história, apenas poucas rupturas muito significativas foram capazes de modificar alguns desses arquétipos, como a revolução industrial e a internet, por exemplo. Mas, ainda assim, carregamos padrões destes ciclos e é por isso que as mudanças são difíceis e podem demorar décadas.

Há diversas linhas de estudos que apontam como o arquétipo masculino tem relação direta com os modelos de sociedade que vivenciamos hoje: o Capitalismo e o Patriarcado (sistema social em que homens mantêm o poder primário).

Importante ressaltar que o arquétipo “masculino” e “feminino”, não são, necessariamente os gêneros, ao invés disso, são como as “forças criativas”, que estão presentes em todos os homens e mulheres e influenciam toda a cultura, ambientes, relações, decisões e etc.

Na sociedade constituída como é hoje, tanto homens, quanto mulheres demonstram e personificam, principalmente, as características do arquétipo masculinas, pois muitas vezes elas são codificadas como poder e sucesso. Enquanto que, por muito tempo, as características do arquétipo feminino são interpretadas como inferioridade, submissão, emoção, dependência, fraqueza, objeto de tentação e associada a sexualidade.

Mas, o arquétipo possui facetas, que são ativadas a todo momento dentro das relações humanas e que podem atuar de formas saudáveis ou destrutivas. As características ditas como “femininas” — especialmente nos negócios —pelo indivíduo não querer ser visto como fraco, vulnerável ou inadequado, acabam deixando de lado não apenas esta faceta, como todas as demais, positivas e muito importantes.

Portanto, é muito comum que mesmo as pessoas que possuem as características do arquétipo feminino como a colaboração, a criatividade, o acolhimento, empatia, espiritualidade, a natureza, intuição e a paciência, optem por não utilizá-las para que não seja interpretado como uma fraqueza.

A autora se concentra em apresentar o arquétipo feminino na jornada contemporânea, ou seja, um mundo predominantemente guiado pelo arquétipo masculino e carregado de estereótipos.

O termo arquétipo foi popularizado pelo teórico Jung, que definiu o arquétipo como uma matriz de pensamento que vem, através do tempo e de civilizações, sendo utilizado pelo coletivo e passa a ser um caminho de comunicação entre o indivíduo e o mundo.

By Cristiana Couceiro

É aqui que chegamos ao ponto chave desta reflexão, que chamo de lógica econômica e social da Integração com o Feminino: uma transformação social das empresas e modelos sociais. Baseado no destaque ao arquétipo feminino, que pode modelar novas maneiras de viver, trabalhar e estar junto. Trata-se de transformar nossa relação com o dinheiro, com o trabalho, com a Terra, com nós mesmos e uns com os outros.

Na jornada do mundo moderno, conforme apresenta a autora, já citada, Murdock, para criar um futuro fluido, precisamos curar nossa outra metade. O momento presente exige uma ampla celebração e recuperação do arquétipo feminino. Onde temas globais como meio ambiente, saúde pública, colaboração, inovação se fazem necessários para o futuro.

“Uma empresa pode ser um protótipo do mundo em que você deseja viver. À medida que honramos os princípios femininos e feministas em nossas práticas, reformulamos o arquétipo dos negócios”. JENNIFER ARMBRUST

Já é possível reconhecer em outras teorias essa visão, como a do Capitalismo Consciente e a Economia Feminina proposta por Jennifer Armbrust que iremos aprofundar:

Uma economia que estabelece um novo conjunto de valores e poder com base em princípios femininos, por meio da interação, experimentação, inovação, integridade, conexão com a natureza, empatia, cuidado, colaboração, interdependência e um crescimento cíclico — em outras palavras, tratando os negócios com o design é possível encontrarmos uma maneira de sair da disfunção de onde estamos agora e ir para algo novo.

por Jennifer Armbrust

Outra autora que estou especialmente encantada: Bell Hocks. Para ela, uma prática feminista que tenha compromisso com a transformação da sociedade não pode ficar restrita à ideia de igualdade baseada em oferecer às mulheres, pessoas LGBTQI+, pessoas com deficiência, raças e etnias diferentes as mesmas oportunidades que os homens no mercado de trabalho.

A autora afirma que é preciso ir além do modelo liberal e do indivíduo atual. Trata-se de transformar radicalmente as relações de poder e modos de vida, sendo impossível fazer isso sem a crítica à opressão que o modelo capitalista exerce historicamente.

Hocks é uma autora para poucos. Entre os movimentos feministas há críticas por sua visão afiada sobre o tema, mas é exatamente o que faz dela uma autora necessária para tocar aqueles temas polêmicos, que ela o faz com maestria, você não passa sem incômodo, posso garantir.

A grande reflexão que Hocks apresenta e que se conecta com este texto é sobre a inclusão. É claro que a representatividade do feminino, de raças, etc é extremamente importante dentro das empresas, universidades e todos os âmbitos sociais. Porém, essa inclusão ainda é a favor da mesma lógica capitalista burguesa dominante e que maquiada com uma fachada de mudança reproduz os mesmos problemas que já conhecemos.

Em outras palavras, não adianta incluir a diferença, se ela vai seguir perpetuando o consumismo desenfreado, o mito da meritocracia, a competição, a hierarquia, a degradação do meio ambiente, dos recursos naturais, a violência e a força do poder. Ou seja, o patriarcado e o capitalismo operado pela faceta destrutiva do arquétipo masculino, sem suas caraterísticas positivas como a inteligência, a coragem, a realização e a segurança integradas com o feminino.

“Enfrentar o medo de se manifestar e, com coragem, confrontar o poder, continua a ser uma agenda vital para todas as mulheres” BELL HOCKS

Para que o feminino possa aplicar sua melhor versão e transformar, de fato algo, é necessário muita auto reflexão e um pensamento crítico sobre nossas práticas. Exige disposição e energia para se envolver com questões impopulares nas empresas como sexíssismo, a exploração, de raça, de classe, de recursos, o elitismo, o acesso e o consumo.

É por isso que “O futuro é feminino” não apenas porque quer, mas porque precisa.

By Deep Dive (Tradução — “Nunca haverá outra ordem mundial até que as mulheres façam parte dela” Alice Paul)

Estudos como o S&P Global Market Intelligence, “When Women Lead, Firms Win” apresenta que as empresas com alta diversidade de gênero e que possuem mulheres em seus conselhos de administração são mais lucrativas e maiores do que as empresas com menos diversidade de gênero e isso você, com certeza, já sabe.

Mas, além do olhar financeiro, com a diversidade de gênero as empresas desempenham um papel mais importante na estratégia para fazer avanços na inovação, no impacto ambiental, social e na governança. A questão está ganhando impulso e publicidade, principalmente com a visão crescente de ESG (Environmental, social and corporate governance), cada dia mais relevante.

Sei que mudanças como esta podem levar um tempo e sonhar com um novo modelo econômico pode ser demais, mas já é algo sim, possível de ser feito, mesmo que aos poucos. O momento exige que paremos de relacionar apenas aos arquétipos e princípios masculinos ao sucesso e a assertividade para liderar o presente e o futuro, ou mesmo as diferenças que chegarem lá, podem apenas repetir os comportamentos anteriores, que ninguém mais da conta, nem a gente, nem o mundo.

É preciso trazer a integração com os princípios femininos, que nos levam a um futuro sustentável e melhor para todo mundo. Em última análise, trata-se de curiosidade, autorreflexão e a tão sonhada e possível integração, em seguida, ação nos sistemas maiores de poder e o compromisso de chegar a soluções.

“O futuro não é um lugar para onde vamos, e sim um lugar que estamos criando” John Schaar

Pois como cantava Elis Regina “ Viver é melhor que sonhar” para isso precisamos de todos. A integração das características do feminino e do masculino, em suas melhores versões são a jornada da heroína e também do herói. Vamos juntos?

por Michele Luz — @luz.gc

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