WestWorld é a série do Nolan e da incrível Lisa Joy. A temática central é sobre a consciência e a senciência, mas não só isso, o peso da consciência. Afinal, um cavalo nasce sendo cavalo. Sabe galopar, relinchar, sabe se portar como cavalo. Similarmente, precisamos aprender a ser humanos! E o fazemos principalmente através da tentativa e erro, esta grande carta da evolução das espécies.
Senciência
A senciência é frequentemente estudada como parte da classificação de animais, e relaciona-se brevemente à capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade. Basicamente é preciso mecanismos mentais declarativos para ser dotado de senciência. Dizemos que um animal teria consciência caso tenha essas três capacidades bem desenvolvidas: interação social, memória espacial e aprendizagem.
Este tipo de capacidade é frequentemente vista nos ditos animais superiores mais claramente, mas também em tetra-podes, camarões e peixes das mais variadas espécies. Reconhecer que esses animais têm este tipo de capacidade é diretamente interessante por conta das necessidades morais em se lidar com estes animais. Estas capacidades resultam em disfunções muito relacionadas ao humano, que são o stress e o sofrimento. Reconhecer seres sencientes e saber que sofrem é imprescindível para pautar a ética com que esses animais são tratados.
Consciência
Consciência é um termo um tanto vago, e de difícil simplificação, porém é possível declarar a consciência como:
“o que o animal percepciona num dado momento a respeito da sua situação imediata”.
Este conceito inclui memórias de percepções passadas, ou antecipação de eventos futuros. Contudo é preciso distinguir entre consciência e capacidade cognitiva, sendo que é possível haver consciência sem complexidade intelectual e cognitiva. Apesar disso, o estudo da cognição é importante para reconhecer os tipos de sofrimento embutidos em determinadas ações que o ser consciente pode vir a sofrer.
Dos processos cognitivos mais simples, como capacidade de sentir os estímulos internos e ter percepção dos estímulos externos, ocasionando em uma seleção dos estímulos devido a capacidade de manter uma expectativa acerca de acontecimentos e direcionar respostas adequadas à esses estímulos.
Outro processo importante é a memória episódica, que é a capacidade de evocar experiências passadas de maneira específicas como forma de aprendizado. É desta forma que aves criam o hábito de roubar ou de esconder comida. Há estudos em primatas que sugerem meta-cognição - quando o ser reconhece aquilo que sabe. Em outras palavras ele tem consciência de seus próprios processos cognitivos. Não à toa, primatas têm sistemas morais, chegando a recusar comida caso isso implique no sofrimento de outro ser.
Emoções
Os estados emocionais envolvem alterações neurohomonais e comportamentais. Basicamente, respostas químicas e hormonais aparecem como efeito de algum estímulo, gerando o que chamamos de emoções. Desta forma, estruturas cerebrais para a resposta emocional e processamento de informação sensorial, aprendizagem e memória aparentam ter mecanismos homólogos . Este tipo de capacidade, que inclui a mais primária das emoções, ou ao menos a que suscita respostas fisiológicas mais importantes é o medo. Sentir medo está presente em diversos animais, portanto, é relevante para a compreensão da ética envolvida com seu trato.
Inteligência Artificial
Inteligência artificial não é, como erroneamente disse Elon Musk, o demônio da sociedade. Inclusive, esta síndrome de Frankenstein é bastante recorrente, quando frente à novas tecnologias nosso primeiro reflexo é o medo. O grande medo aqui é que inteligências artificiais não estejam devidamente alinhadas com os princípios humanos. Porém basta olhar em volta e perceber que sequer os humanos estão alinhados com os princípios humanos. Desta forma, WestWorld, diferente do filme original, a vilania mora na dificuldade humana de encontrar o que quer evitar seduzir-se pelas utopias de poder. Ora, até hoje apenas nós, seres humanos causamos danos a nós mesmos! Sendo assim não há por que temer a inteligência artificial mais do que a inteligência humana, mesmo na singularidade cognitiva.
Ao assistir WestWorld é imprescindível reconhecer que a forma com que escolhemos tratar o outro está bastante relacionada com a forma como que enxergamos a outra pessoa. Não a toa as tentativas de estabelecer inimigos envolvem justamente a desumanização desses inimigos, e a tentativa de empatia, a humanização, seja de pessoas marginalizadas ou animais. Reconhecer-se no outro implica na forma com que lidamos com o outro, e na forma com que nos reconhecemos. Nosso medo da inteligência artificial e da tecnologia é em muito o medo de que essas espécies comecem a agir como nós já agimos, e nossa antipatia com seres e pessoas marginalizadas reflete nossa dificuldade de reconhecimento do sofrimento alheio.
Em resumo: Assista WestWorld, e pense quem você seria, e se isso reflete o seu EU no mundo real.
Texto escrito por Marcos Paulo Oliveira para Trendr