por Alex Bretas
As escolas estão baseadas na suposição de que há um segredo para tudo nesta vida; de que a qualidade da vida depende do conhecimento desse segredo; de que os segredos só podem ser conhecidos em passos sucessivos e ordenados; de que apenas os professores sabem revelar corretamente esses segredos. Um indivíduo de mentalidade escolarizada concebe o mundo como uma pirâmide, composta de pacotes classificados; a eles só têm acesso os que possuem os rótulos adequados. As novas instituições educacionais quebrarão esta pirâmide. (Ivan Illich)
Ivan Illich escreveu as linhas acima 50 anos atrás. Um dos pensadores mais radicais no campo da Educação, seu sonho por uma sociedade desescolarizada não desejava excluir as instituições educacionais, muito pelo contrário.
O que Illich desejava era ressignificar o que essas instituições educacionais faziam.
Com a internet e as novas tecnologias digitais, a curva de acesso às diferentes realidades e possibilidades de conhecimento tornou-se uma curva exponencial — o que não significa dizer que o acesso para todos tenha se tornado menos desigual.
Nesse contexto, uma coisa é certa: se você consegue usar um computador ou celular com internet, você se conecta com uma infinidade de fontes de aprendizagem.
É claro que colecionar fontes de aprendizagem já era possível antes, em 1970. Havia ao menos uma vantagem naquela época: sua atenção era disputada, fragmentada e colonizada de maneira menos feroz.
Agora, as camadas de complexidade aumentaram. A atenção é um recurso mais (artificialmente) escasso. A navegação se faz em dois mundos paralelos, o físico e o digital — e em breve teremos outros mais.
O reinado da escolarização — entendida como um certo tipo de colonização de corpos, mentes e corações — resiste. As instituições educacionais não foram transformadas radicalmente, como queria Ivan Illich. Muitas delas sequer se deixaram atravessar pela mais nova onda capitalista de “transformação digital”.
Chegamos, assim, a uma contradição: de um lado, a onda digital amplifica massivamente nosso cardápio de oportunidades de aprendizagem — foi assim, por exemplo, que retomei o pensamento de Illich neste texto, por meio de um PDF de seu livro “Sociedade Sem Escolas”.
Por outro lado, as instituições escolarizadas insistem — mesmo diante da pandemia e da necessidade de isolamento social — em continuar heterodirigindo pessoas a partir de mecanismos de controle semelhantes aos de dois séculos atrás.
Sendo controlado e com dificuldade de subir à superfície, o ser humano não consegue se servir do cardápio de possibilidades de aprendizado da vida, de maneira ampla, e do mundo digital, de maneira específica.
As formas de colonização da atenção, assim, foram duplicadas. Ou seja: além de “ter que prestar atenção na aula”, gastamos também muito da nossa atenção no feed do Instagram e no Netflix. O que as duas coisas têm em comum? “Olhe para onde eu digo para você olhar”.
O caminho para conseguir se esquivar dessas formas de colonização já havia sido criado por alguém bem antes de Illich. Joseph Jacotot, o “anti-pedagogo” do século XIX, convidava as pessoas a construir sua emancipação intelectual.
Emancipar-se, nesse sentido, significa uma escolha ativa em ver o mundo por si mesmo. Uma recusa em confiar cegamente nas explicações de qualquer doutrina ou pessoa — inclusive as de si próprio. Uma obstinação em aprender, apreender, digerir e se apropriar do que lhe cerca e também do seu universo interno, um instante de cada vez.
Neste sentido, com inspiração em Jacotot, penso que precisamos reduzir o número de “mestres explicadores” e aumentar o número de “mestres ignorantes”. A diferença entre ambos é clara: enquanto os primeiros explicam a realidade, os segundos dizem “olhe com atenção e eu estarei aqui pra você me contar”.
Talvez seja necessário aos mestres ignorantes do século XXI, além do poder de escuta e presença que lhes é próprio, uma nova habilidade: apoiar o aprendiz na reconquista de sua atenção.
Fonte: O Futuro das Coisas